História e memória

"Professor morre após agressão"


Essa foi a manchete do jornal Diário do Grande ABC, publicada no caderno regional, em 25 de novembro de 2001. No subtítulo estava estampado: “Aluno fincou chaves na testa do educador, que passou por cirurgia, mas morreu 15 dias depois.”

Esse foi o ápice da violência nas escolas, que ceifou a vida do professor de história, José Vieira Carneiro, aos 44 anos de idade. Carneiro Lecionava na EE Palmira Gracioto, no Parque São Bernardo-SBC, deixando três filhos e uma viúva.

A agressão aconteceu no dia 09 de novembro 2001, por volta das 19h40min numa das salas da referida unidade escolar. O Aluno foi identificado como: “A.,17”, conforme citação do jornal.

Segundo a imprensa, “o garoto estava brincando com o chaveiro e o professor pediu para que parasse. O garoto, então, partiu para cima dele e o atingiu na cabeça com as chaves”, disse um professor que não quis se identificar.

Em outra citação, a cunhada do professor mencionou: “Ele disse que o menino colocou as chaves entre os dedos e que deu um soco na testa dele”.

Ainda segunda a reportagem, a Diretoria de Ensino “recusou a comentar o assunto”.

Na ocasião, lembro-me que tentaram de toda forma abafar o caso para evitar a repercussão política negativa do acontecido.

Em 2001, num determinado domingo pela manhã, compareceram em minha casa o professor Carneiro e outro colega, também professor, narrou os fatos, queixou-se de fortes dores de cabeça e estava muito preocupado com a situação.

Fiquei preocupado com a perfuração na testa do professor, além de estar com a cabeça um pouco inchada. Disse a ele que deveria urgentemente procurar o hospital do Servidor Público Estadual para reavaliar o caso.

Coloquei o mandato a disposição dele, inclusive o carro oficial para levá-lo ao hospital, o que foi feito por várias vezes. Três dias depois fui visitá-lo em sua casa e percebi que embora estivesse andando, ainda não havia melhorado.

Como auxiliar de enfermagem, percebi que o caso era sério e novamente disse que deveria solicitar sua internação no hospital para intensificar o tratamento.

Para a nossa tristeza e revolta, o mesmo veio a falecer, causando profunda indignação a categoria.

A dirigente de ensino da época era militante de carteirinha do PSDB, que além de incompetente, exalava prepotência e arrogância antipedagógica.

No dia do enterro do professor, fizemos o inusitado no cemitério das colinas em SBC, fixamos reportagens nos vidros do velório onde o corpo estava, além da panfletagem no próprio recinto. Na saída do corpo, num ato de ousadia, discursamos e denunciamos a perda do nosso companheiro; resultado do descaso para com a escola pública e os seus educadores.

O corpo foi levado para sua terra natal, no Estado do Ceará e o sindicato continuou sua ofensiva contra o abandono da rede pública e a violência sofrida pelos educadores em seu cotidiano.

De lá pra cá a violência continua em níveis diferenciados, com assédio moral, agressões verbais e físicas, frequentemente denunciadas em nossas subsedes.

Há dez anos essa tragédia se abateu em nossa rede, e até hoje pouco tem sido feito no sentido de melhorar a escola pública no Estado de São Paulo.

A nossa luta continua contra o baixo salário, o numero excessivo de alunos em sala de aula, a política excludente da meritocracia e a violência nas escolas.

A nossa resistência tem se destacado e dirigentes e ditadores tem perecido ao longo de nossa trajetória, tanto em nível estadual, quanto em nível regional. Esperamos que haja maior empenho da justiça em relação a esse e outros tantos casos que continuam desafiando a lógica do ato de educar.

De nossa parte, continuaremos atuando no sentido de restabelecer a verdadeira escola pública, laica e de qualidade para todos os filhos e filhas da classe trabalhadora.

Educar e resistir sempre é preciso!!!.


Aldo Santos, coordenador da APEOESP-SBC presidente da Associação dos professores de filosofia e filósofos do Estado de São Paulo, membro do Coletivo Nacional de Filosofia, coordenador da corrente política TLS.





Professor Olímpio presente

Por: Aldo Santos*


Testemunho sobre a vida de um professor batalhador da rede pública estadual


Há aproximadamente 35 anos, o companheiro Olímpio, migrou de Minas Gerais para São Paulo em busca de uma vida melhor, caminho esse trilhado por milhões de migrantes nesse País na década de 60/70 do século passado. No dia 14/11/2010, aos 52 anos de idade, morreu o professor Olimpio Paulo, o mais velho dos 13 irmãos da família Guiladucci .É de uma grande família da pequena cidade Mercês, no interior de Minas Gerais. Como professor, cumpriu sua parte com esmero, dedicação e comprometimento com as causas coletivas e da defesa intransigente da escola pública gratuita e laica. Como bom sociólogo, entendia e expressava a leitura contraria ao mundo opressor capitalista.

Lecionei com o Olimpio por vários anos na escola Pedra de Carvalho, e depois na escola Maria Rosa Barbosa e tinha nele sempre um aliado qualitativo das reflexões das escolas pedagógicas progressistas e transformadoras. Ele gozava do respeito dos professores que com conviveu, assim como, relacionava-se respeitosa e afetuosamente com os alunos no seu cotidiano.

Acometido por um câncer há mais de dois anos, mesmo assim, ele procurava mesmo doente estar presente nas últimas assembléias dos professores na avenida paulista e na praça da república.

Não posso deixar de relatar a crueldade do governo tucano, pois mesmo doente, na última atribuição de aula ele teve dificuldades de chegar até a banca de atribuição na Escola Kennedy, pois o câncer avançava com a mesma velocidade em que avança o embrutecimento e a desumanização dos governantes. Alias, é comum encontrarmos professores doentes trabalhando, uma vez que freqüentemente as licenças são negadas. Diante de um governo desumano, não dá para esperar uma escola humanizada.

Nos primeiros minutos do feriado republicano, um grupo de professores numa rápida cerimônia religiosa se despediu para sempre dessa figura fantástica que conosco conviveu, participou e lutou por um mundo melhor. No caminho da vinda para São Paulo, trazia na mala: projetos, sonhos e novas perspectivas para si e para os seus. Trabalhou com dignidade, enfrentou as durezas e a frieza do mundo urbano e escreveu sua história nos corações e mentes de milhares de educandos desse País, sempre gozando da amizade e respeito dos amigos e da categoria dos educadores.

No caminho de volta, deixou mulher, família, amigos e saudades. Nossos sentimentos e pesar para com a família enlutada e para os amigos e amigas, fica o registro e a convicção de que realizou e combateu o bom combate. No diário da vida seu nome e sua memória nos levará a responder sempre: professor Olimpio presente!

*Aldo Santos é membro da Executiva da Apeoesp de São Bernardo.